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Entendendo o fanatismo futebolístico analisando o comportamento durante à infância

NOSSO COMENTÁRIO: Esse texto mostra todo o trabalho de lavagem cerebral feito para que uma criança seja obrigada a gostar de futebol, com o objetivo de agradar a toda uma sociedade fanatizada pelo mesmo.

Apesar de ter sido retirado de um blogue pró-futebol, este texto admite que há uma manipulação ideológica e reconhece que o futebol é, para os brasileiros, uma obrigação social irrecusável, onde a sua negação é passível de punição, como a perda de certos direitos sociais, incluindo o prestígio, o respeito e a capacidade de formar opiniões.

Futebol, infância e identidade: possibilidades e impossibilidades de compreensão do esporte das multidões

Euclides de Freitas Couto - Futebol na Infância

O futebol é provavelmente o maior tradutor da minha infância. Essa frase singular, que explica boa parte das vivências de um garoto brasileiro, advindo das camadas populares, poderia refletir, com certa precisão, as recordações mais vivas de outras crianças de diversos pontos do mundo.

É verdade que no início da década de 1980, período marcante da minha infância, o futebol não entrava todos os dias em minha casa pela enorme antena de alumínio que ficava em cima do telhado. Os quatro ou cinco canais televisivos não dedicavam, como nos dias atuais, tanto tempo às transmissões de jogos e, muito menos, à cobertura dos treinos, viagens, contusões e à vida privada dos jogadores.

Mesmo assim, todos aqueles meninos da turma do bairro sabiam de cor, as escalações do Atlético, do Cruzeiro e da Seleção Brasileira. Fossem nas peladas disputadas na rua, ou num campinho improvisado, situado em um lote vago [1], que anteriormente havia abrigado uma escola feita de madeira. Os nomes dos craques (e nem todos realmente eram) sempre apareciam dramatizados nos lances mais espetaculares. "Defendeu!!!! O goleiro de deus." Como era chamado João Leite, o quase eterno goleiro do Clube Atlético Mineiro pelo radialista Willy Gonzer.

"Chutou uma bomba indefensável, o garoto de Vespasiano." Era uma referência quase obrigatória que fazíamos aos chutes fortes comparando-os àqueles disparados por Éder Aleixo, o ponta esquerda mais importante da história do Atlético.

Mas, como explicar sociologicamente essa paixão quase incondicional que os garotos da minha infância cultivavam pelo futebol? Evidentemente que essa é uma tarefa quase impossível de ser realizada em poucas páginas. Importantes sociólogos como Norbert Elias e Eric Dunning já prestaram grandes contribuições teóricas no sentido de apontar as relações existentes entre, o processo de civilização, a modernidade e o gosto pelo futebol.

Pierre Boudieu, outro nome consagrado das Ciências Sociais, ao desenvolver o conceito de habitus, nos indica as múltiplas possibilidades de se pensar o futebol como um fenômeno que se relaciona diacronicamente com outras com outras esferas da vida social. Apesar de todos os riscos que possamos correr, arriscaremos, neste ensaio, apresentar possíveis relações entre o processo de socialização de uma criança e a construção das identidades sociais.

Partiremos do pressuposto berguiano de que as identidades adquiridas são sempre a partir do rol de opções estabelecido pela sociedade e que, portanto, a aquisição de uma identidade é sempre um ato influenciado pelos padrões de uma realidade social específica [2]. Para não tornar a análise simplificada por demais, oferecemos, à guisa de contra-argumentação, algumas idéias elaboradas por Johan Huizinga sobre o jogo como elemento da cultura.

No Brasil, como também em outros países onde o futebol é o esporte mais popular, o filho do sexo masculino deve, por uma obrigação social, reproduzir as escolhas futebolísticas do pai. Desde o primeiro macacãozinho que, antes mesmo do nascimento da criança, já estampa os símbolos clubísticos que irá adotar quando nascer, até a primeira bola de futebol que vai ganhar os chutes desajeitados, tornam-se para o pai, os símbolos mais importantes da sua projeção sobre o filho. "Será um grande jogador!", "Olha como ele chuta!", "Vê esse domínio de bola, daqui uns dias vai substituir o Reinaldo no ataque do Galo!" Amanhã lhe ensinará a correr com a cabeça em pé, lhe falará da necessidade de que seus pés são seus verdadeiros olhos, lhe dirá que no próximo clássico entrará no Mineirão ao lado dos seus ídolos juntamente com dezenas de outros garotos, que, como ele, possuem a mesma paixão.

A antropóloga norte-americana Margaret Mead, a partir do arcabouço teórico da sociologia interpretativa, nos sugere que nos primeiros anos da infância são construídos os outros significativos. Estes outros significativos consistem em valores sociais, hábitos, crenças e, obviamente, gostos e aptidões. Quando uma criança é submetida ao mundo dos adultos, ela é exposta a um universo construído pela arbitrariedade, pelos sistemas de crenças e valores e pelos gostos já previamente definidos pelas pessoas do seu convívio.
Assim para uma criança sexo masculino no Brasil, gostar de futebol e acreditar em Papai Noel transformam-se em ontologias. Em outras palavras, há uma enorme pressão, sobretudo por parte das figuras paternas (pai, tios, avôs, amigos do pai etc.) para que o garoto primeiramente jogue futebol e, num segundo momento, para que ele se torne um fanático torcedor das cores daquela fratria.

Logicamente que não temos a ambição de explicar a paixão quase incondicional cultivada pelo futebol por milhões de torcedores espalhados por vários cantos da Terra a partir dos pressupostos de uma única teoria. Temos a consciência de que qualquer fenômeno social não possui explicações monocausais.

Mesmo se tomássemos como referência a teoria dos outros significativos, ainda teríamos que realizar um exercício sociológico de cruzamento dos dados de classe, ocupação, renda, etnia, regionalidade e outras variantes que interferem na assimilação cultural, para que tivéssemos uma noção razoável da dimensão e dos limites que o estudo estaria sujeito.

Há ainda outro problema de grande extensão quando investigamos sociologicamente o futebol. É preciso pensá-lo como um jogo. E como tal não podemos mensurá-lo a partir da mesma racionalidade que estamos situados. Johan Huizinga, em seu trabalho clássico intitulado Homo Ludens, nos deu essa pista. Se o jogo possui uma outra racionalidade, uma outra dimensão, só poderemos encontrar explicação lógica para o prazer que ele nos proporciona, a partir da compreensão do próprio prazer.

Nessa lógica, acrescentaríamos o elemento lúdico, ao esforço realizado pelo nosso suposto pai que teve como objetivo criar o "gosto" do filho pelo futebol. Para Huizinga, o gosto por qualquer forma de jogo é tão natural no ser humano (e em outros mamíferos) que antecede a própria cultura [3]. O prazer, que segundo ele, é a essência do jogo constitui-se como um elemento não só essencial à manutenção de uma cultura, como também à manutenção da própria vida.

À guisa de conclusão, levando-se em consideração os modelos teóricos propostos por Huizinga e Berger, é possível traçarmos pelo menos duas breves constatações sobre a construção da identidade futebolística na infância: a primeira é que o futebol, como qualquer outra forma de jogo é facilmente aprendido pelas crianças em diferentes culturas porque conta, em sua essência, com um elemento central da própria cultura:o prazer lúdico.

Em segundo lugar, se é na infância o período privilegiado para realizarmos nossas escolhas pessoais é também nesse período que mais sofremos a ação das forças coercitivas da sociedade. Em outras palavras, o gostar de futebol torna-se quase uma obrigação "prazerosa", especialmente, quando a referência é a realidade social brasileira.

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