Chega a ser irônico, se lembrarmos que rojões são muito comuns nas torcidas de futebol: a mídia está usando a morte infeliz do cinegrafista Santiago Andrade para promover o futebol. Em ano de copa, mídia e publicidade nunca perdem a oportunidade de estimular o culto à maior galinha dos ovos de ouro do Brasil, a única coisa que convence qualquer brasileiro, mesmo o mais pobre, a torrar fortunas, que chegam garantidas nos bolsos dos mais ricos de nosso país.
Todas as reportagens se esforçaram em enfatizar o gosto do cinegrafista pelo futebol. O cara torcia pelo Flamengo. Como era carioca, sabemos que o gosto pelo futebol tem um quê de obrigação social. Sendo um dever social, o gosto pelo futebol sinaliza, mesmo falsamente, simpatia e respeito pelo próximo. Não gostar de futebol é considerado por muitos cariocas como sinal de antipatia e quem se assume alheio a mais famosa modalidade esportiva, perde muitos direitos sociais, sendo excluído em muitos casos do convívio coletivo.
O gosto de Andrade pelo futebol é uma informação desnecessária. Porque não mencionaram o gosto musical dele, o que ele gostava de comer e outras coisas? Porque enfatizar o futebol e não outras formas de lazer? O que falei no parágrafo anterior explica muito isso.
Outras formas de lazer não tem o poder persuasivo que o futebol tem. Não dá para passar uma imagem de simpatia através do gosto por comida. Se a intenção era estimular uma simpatia pelo falecido cinegrafista que a maioria não conhecia, o futebol foi um meio mais eficiente. Ou vocês acham que todos iriam se comover com Santiago Andrade pelo simples fato dele ter gostado - hipoteticamente - de rosbife assado acompanhado de Coca-Cola?
O futebol tem essa magia social. Para os costumes brasileiros, época de copa não é época de campeonato esportivo e sim de confraternização nacional. Brasileiros foram educados a usar o futebol como forma de interação social. Ter um time e fazer parte de um grupo (o de torcedores de um time) e por isso mesmo, apenas os times mais famosos tem muitos torcedores. Os times pequenos, sem prestígio, não servem como forma de interação social.
Legal, como no caso de Andrade, era ser flamenguista. Flamenguista tem mais amigos, flamenguista é respeitado, flamenguista usufrui de benefícios sociais. E por isso mesmo, no entendimento de quem queria fazer do cinegrafista um mártir, pareceu necessário falar de futebol. Pelo menos entre os flamenguistas, a simpatia pelo recém falecido estaria garantida.
Mas creio que em uma sociedade em que o futebol é tratado como uma mera opção de lazer isso seria desnecessário. O fato de um cara ser ou não torcedor de futebol não faz de ninguém melhor ou pior. É uma opção de lazer, ora. O fato de um cara ser flamenguista não enobrece ninguém.
Essa ênfase no futebol durante o falecimento do cinegrafista só prova ainda mais que somos um povo infantilizado que coloca uma simples diversão no pedestal das coisas urgentes. Como verdadeiras crianças, ainda colocamos o divertimento acima de assuntos sérios. E tratamos o divertimento como assunto sério. Como se morrêssemos, se não brincarmos.
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