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NeoTribalismo Tupiniquim

Escrito por JOÃO PONÊS, no Facebook, 14 de outubro de 2014 às 06:24

Antes de tudo, não considero o futebol a raíz dos males brasileiros, o considero um sintoma da cultura típicamente brasileira (se não fosse o futebol, seria qualquer outra merda, como automobilismo, que eu mesmo adoro; embora é claro, eu ache que a necessidade de toda uma equipe de preparadores exijam uma engenharia, ainda que rústica). Mas, por que o futebol? bom, como a maioria dos esportes de contato com a bola, existe algo de popular, de acessível, o futebol é o esporte dos pobres, e portanto, num país de gente pobre, é natural que ele seja o mais popular (ai cabe uma longa discussão sobre porque qualquer outro esporte fica caro demais quando se tenta pratica-lo por aqui).

Mas além disso, existe o sonho, eles se inspiram em seus ídolos, com a carreira do futebol como garotas sonham com a carreira de modelos. Como a única alternativa deles saírem de sua situação econômica desfavorecida. Geralmente o que estarão se tornando é peões em boa forma física para a indústria usar como burros de carga. Agora porque esse tipo de aspiração é tão ruim para uma economia? comecemos pelo atleta: ele é o que tem o prazo de validade mais curto, no alto dos seus 35 anos já está se aposentando, ou virando técnico [não há times para tantos futuros técnicos, da mesma forma, é preciso de uma massa de não jogadores (profissionais), para que eles possam ficar ricos]. O que já seria uma boa razão para seguir essa carreira.

Mas existe uma caracteristica muito interessante de quem aspira e se esforça para seguir uma carreira intelectual. Mesmo que não se tornem autores de livros, ou pesquisadores, essas pessoas, além de não se tornarem velhos gagás, não se desgastam como um típico peão de fábrica, lá pelos seus 60 anos. Ou seja, você pode passar o resto da vida sem depender do paternalismo da aposentadoria, seja ela pública ou privada. Não que nos países desenvolvidos eles tenham que trabalhar o resto da vida. Na américa do norte pelo menos, eles conseguem fazer uma boa poupança que rende bem, até a aposentadoria, e durante a mesma. Previdência é quase a mesma coisa, só que não. Você, jovem trabalhador, está pagando a aposentadoria dos que trabalharam antes de você, e você, jovem contribuinte, conta que farão o mesmo por você. E sejamos francos, esse modelo é um tanto insustentável, principalmente porque a realidade demográfica muda de uma geração pra outra.

Eu até poderia entender ter um time como uma expressão da identidade e individualidade, se eu não olhasse para todos os times e me parecessem tão iguais (apesar de eu imaginar que o brasileira consegue expressar sua individualidade fazendo parte desses "panelões", estão todos presos num único modelo de pensamento, o que não acontece por exemplo entre pessoas que gostam de sci-fi, e outras, que gostam de drama, por exemplo). Não vejo nada de inspirador naqueles brasões, cores e clubes que trocam figurinhas entre si. Continuando, eu fico olhando um grupo de apresentadores gastando neurônios numa discussão com pose de intelectuais, sobre o mercado da bola, a carreira e o desempenho do time e dos atletas, em como isso cheira a estratégia militar, e mesmo assim, ninguém parece conseguir fazer uma transposição de tamanha genialidade para algo mais útil (não me refiro a guerra, pelo menos por enquanto, acho não ser necessária). A genialidade do brasileiro desperta no campo, e fica nele.

Muito mais do que uma política de pão e circo, o futebol foi adotado como a religião não oficial do Brasil. Como já citaram por ai, não te perguntam se você gosta dele, já te perguntam: qual é o seu time. Isso me lembra quando te perguntam qual o seu santo de devoção, ou deus pagão. Chamamos os cultos regionais do Egito e Grécia como politeísmo. Em primeiro lugar, O Egito não era um país como se tornou depois que os europeus demarcaram os territórios na África. Era uma civilização onde os nomos, similares as futuras cidades-estado gregas foram se aglomerando em torno do rio Nilo.

Apesar de não serem animistas como nas culturas subsaarianas, considero suas divindades, praticamente cultos tribais, onde cada deus simbolizava a cultura de cada nomo como uma bandeira, ou animal simbolo. O futebol como um todo, existe como um esporte, onde clubes se degladiam e tentam se manter o máximo de tempo no topo da classificação (acho que isso deve ser útil para atrair patrocinadores ou coisas afins), e há uma animosidade que as vezes ultrapassa o nível do senso de humor, formando grupos "xiitas" chamadas torcidas organizadas (algo como sonistas e caixistas, BFistas e CODistas etc).

Repare como o ser humano precisa de um símbolo de engajamento, seja a bandeira de um império, ou de um clube esportivo (elas me lembram facções mafiosas). A diferença é que antigamente, se dava a vida pela ganância por territórios (geralmente, regiões privilegiadas em recursos naturais, razão pela qual a Mesopotâmia foi muito mais atacada e invadida do que o Egito), ou seja, o engajamento do povo, ainda que pela ganância de poucos, tinha um resultado concreto no futuro do império. Enquanto hoje, geralmente se dá a vida pelo leite derramado (claro que eu vejo esses engraçadinhos que querem sabotar o treinamento de clubes rivais, mas geralmente o povão se limita mesmo a fazer uma genki dama com a voz ao redor do estádio...).

Naquele tempo, se atribuia o resultado a benção dos deuses (poetica, ou religiosamente). Como o deus de um povo não era o mesmo que o de outro, era inevitável que se começasse a medir a superioridade de um deus sobre os outros. Portanto os deuses mais importantes geralmente eram a bandeira dos nomos mais influentes, ou o sincretismo entre os mesmos. Até Seth, como o timão de uma nação perdedora, passou de irmão mais acertivo de Osíris (algo equivalente a Ares) para o vilão da estória. Apesar de não se fundirem ao conceito de território, (razão pela qual os nomos não têm os mesmos nomes que os deuses) representavam uma continuidade que transcendia a sucessão dinástica. O que entendemos hoje como identidade nacional. Por isso que eu acho que deveriam pelo menos se inspirar nas estratégias de jogo, que afinal, são muito mais concretos do que arquétipos psicológicos.

O futebol é um neopaganismo, enquanto os clubes encarnam o mesmo papel psicológico dos deuses mitológicos. Representar uma "panelinha". E esse comportamento de competir entre si, mesmo com coisas inúteis, parece um redirecionamento da incapacidade de lutar por propósitos concretos. E no esporte, que é uma competição por natureza, não há como se transcender o comportamento religioso. O que diferencia uma religião ocidental de uma filosofia oriental ou até um ramo da ciência? Cada religião terá uma versão diferente a respeito do mesmo objeto de "estudo" (como eu já disse, religiões não estão aptas a competir em discussões sobre a realidade com a ciência, pois estas são manifestações culturais, muito mais do que filosóficas). Geralmente, a premissa de cada filosofia oriental não é interpretada como contradizendo as outras, razão pela qual elas são tratadas quase como complementares. E é essa cooperação que a ciência herdou. Um químico nunca vai chegar para um físico dizendo que discorda dele, que todos os estudos da física estão errados, ele vai perguntar pra ele, a parte que como químico, ele não estudou tão a fundo para dar proseguimento as suas pesquisas. Por isso ouvi de algum lugar que se dizia que haveria uma religião universal. E eu arriscaria que esta é a ciência. Mas não porque ela quer tomar o lugar das tradições religiosas, mas porque as pessoas tendem a trata-la como tal. Quando se autodenomina defensor das ideias de Darwin, Newton, Einstein sem questiona-las, você se tornou um religioso. É o que o povão fez com os profetas.

O Norte-Americano não é mais inteligente do que nós, ele só é mais bem educado. A diferença entre eles e nós é emocional, eles fazem valer seus direitos.  O problema que eu acho é que ficar torcendo para um bando de homens suados, tende a acostumar o "cidadão" brasileiro a torcer por tudo, inclusive por presidentes que encarnam a mudança (meio como Osama Bin Laden), tornando-os o rosto de uma mudança da qual não participam.

Claro que isso já é uma herança cristã: quando você está orando, está na verdade torcendo para que um ser superior faça o que você quer. Repare como a cultura latina trata suas estrelas solitárias como profetas ou messias. Pelé e Maradona, e agora, Neymar e Messi. Só digo que não foi surpresa os colombianos sacarem que já que não iam ganhar mesmo, iam pelo menos arrancar a ponta de lança fora. Deu no que deu, os alemães ficaram com dó de continuar fazendo gol.

E isso me faz pensar em como a cultura brasileira evoluiu em relação a sua herança colonial. Não estou criticando a postura do brasileiro típico, só acho que não é nenhuma surpresa que tenhamos tantos problemas, que ele mesmo nem sabe direito de onde vêm. Mas eu digo e repito: não existe uma source absoluta para os males do brasil (se fosse, não estaria tão ruim). Trata-se de um complexo de células que se retro-alimentam mutuamente, numa sinergia que chamamos de ciclo vicioso (multiplo). Eliminar um dos fatores não vai transformar o Brasil de uma hora pra outra, mas vai enfraquecendo a corrente como um vazamento da mangueira/encanamento.

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